quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Onde a felicidade?



Vovó, que era de um pessimismo angustiante mas que traz à vida uma certa poesia, citava sempre uns versos que hoje, graças ao google, descobri serem do poeta Vicente de Carvalho: “A felicidade está onde nós a pomos/ mas nunca a pomos onde nós estamos.” Já eu, de um otimismo contraditoriamente depressivo, discordo. Não pomos a felicidade em lugar nenhum, porque ela, etérea, está sempre nos escapando das mãos.
Acho mesmo a pergunta do título pura retórica, o que não faz a vida infeliz, de modo algum. É essa busca, por uma felicidade hipotética que nem sabemos bem o que é, que nos move adiante. Ela é que traz a inquietação do nosso eterno desejar. E, como toda questão insolúvel, esta também perambula pela obra dos poetas.
Eça, num dos seus brilhantes contos, disse: “... nada torna o homem recolhido, conchegado à lareira, simples e facilmente feliz – como a guerra. É a paz que, dando os vagares da imaginação, causa as impaciências do desejo.” Eu não sei a que tipo de guerra ele alude, mas é certo que não vivemos em paz, e essas guerras não declaradas definitivamente não aquietam o espírito.
Por isso talvez tenha mais razão outro português, o Pessoa, ao escrever: “Só quem puder obter a estupidez/ Ou a loucura pode ser feliz.” Taí, duas formas de alheamento do mundo. De olhos fechados não se vê toda sujeira. O contratempo: nem uma, nem outra se adquiri por vontade própria.
Mas nem tudo está perdido! Temos as tais horinhas de descuido, que é onde, segundo Guimarães Rosa, está a tal felicidade. A gente nem sempre percebe, mas impossível não sentir o gosto. Daí a gente guarda no HD, porque ouvi alhures que ser feliz é ter prazer nas recordações. E vez ou outra você prova uma das madalenas.
Mas todos os poetas e quiçá os filósofos não chegam a uma definição tão clara, orgânica, visceral como chegou vovó, mesmo sem ter sabido aplicá-la em vida: felicidade é o bom funcionamento dos órgãos vitais. O resto é lucro.

3 comentários:

.leticia santinon disse...

As madeleines proustianas...a felicidade é disseminada em momentos.

Eduardo Machado Santinon disse...

Grande vovó hein Tici!

Anônimo disse...

Nossa seus textos são maravilhosos, e suas referencias melhores ainda!
Adorei a frase da sua avó, acho que é a com que mais em identifiquei...