segunda-feira, 8 de março de 2010

Paciência, Iracema. O chofer não teve curpa...

Nossa vida é uma estrada cheia de bifurcações que muitas vezes não apresentam retorno mais adiante. É sempre questão de pegar ou largar. E segundos as vezes fazem muita diferença. Mas nem sempre é uma questão de escolha, muitas vezes é o destino (ou sabe-se lá o que) que nos leva a um caminho de onde não podemos retornar. Qualquer lance muda a dinâmica do jogo, muitas vezes de forma irrecorrível.

E muitas vezes recorremos a questionamentos na base do “e se...”:

E se não tivesse casado. E se tivesse casado. E se tivesse chegado um minuto antes. E se tivesse perdido aquele ônibus. E se tivesse aceitado aquele emprego. E se não tivesse bebido a primeira dose. E se não tivesse bebido a última dose.

Todo “e se...” leva a uma outra vida absolutamente diferente e que já nos escapou. Alguns físicos dizem até que ela existe num outro espaço-tempo, mas nossa percepção já não pode mais alcança-la. Grande paralizadora de muitas vidas é a pequena partícula condicional “e se...”.

Mas meu objetivo não é bradar 'façam bem as suas escolhas'. Não to escrevendo livro de auto-ajuda e isso é de esperar que todos façam. E aqui não falo só de escolhas. Falo também dos acontecimentos resultantes do jogo de dados que é essa vida. Os resultados inevitáveis, sejam de nossas escolhas, sejam de nossos destinos, é bom que sejam não só aceitos, mas também que recebam nossa colaboração.

Percebam a palavra 'inevitáveis'. Tudo em que exite uma pequena chance de modificarmos para o nosso bem, aí não se inclui. Mas aquilo que veio pra ficar, eu prefiro aceitar, de coração aberto. Garanto que isso me faz mais forte. Ou a vida pode ficar muito cheia de rancor.

terça-feira, 24 de março de 2009

Nada do que não foi poderia ter sido*

Sobre o livro de Cristovão Tezza, O filho eterno


Na vida há um equilíbrio, ou desequilíbrio sabe-se lá, entre acasos e escolhas. Aceitar a inevitabilidade do que independe de nós não pode paralisar escolhas que também fundamentam as direções dos nossos destinos (falo aqui do plano emocional, não político-social).

“O inexorável é a transformação: qualquer uma.” - Tezza diz isso se referindo ao transcorrer do tempo.

A equação, sempre inexata, entre acasos e escolhas – que nos leva a ações e a pensamentos – acaba por nos transformar no que somos (num processo sempre contínuo). Entender essas transformações pode até não ser fundamental para crescermos. Mas trazer à tona alguns – pelo menos alguns – desses processos inconscientes enriquece infinitamente esse crescimento.

O personagem de Tezza não se furta a isso, mesmo que tenha seus momentos de fuga (como temos todos). Escolhe, mas também aceita.


*essa frase permeia todo o livro

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Da série quotes

ou Da relatividade de todas as coisas


“... interessante verificar como a própria bondade, supondo que dela é que estamos a falar, varia com as circunstâncias e os objetos, com a saúde do momento, com o humor da ocasião, a bondade, mal comparada, é assim como um elástico, estende, encolhe, capaz de envolver a humanidade toda ou apenas a só pessoa, egoísta, isto é, bondosa para si própria..”

(Saramago, em História do cerco de Lisboa)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Waltz with Bashir



Valsa com Bashir não tinha melhor hora pra surgir no circuito. No filme, um ex-soldado israelense tenta resgatar a memória de sua participação na invasão do Líbano por Israel, no começo dos anos 80. Ele esqueceu toda a guerra, mas uma passagem o deixa mais intrigado do que outras. Onde estava quando, depois da morte de seu líder (o Bashir do título), os cristãos libaneses massacraram os palestinos? O homem precisa resolver essa questão com a própria consciência.


O filme assume apenas uma participação passiva de Israel nesse massacre. Um observador que não tinha muito o que fazer para evitá-lo. Mas o Estado tem outros massacres em seu currículo (que continua a crescer inclusive nesse minuto). E como o homem do filme, Israel parece ter relegado essas lembranças a um lugar ermo de seu cérebro. Há então uma espécie de inconsciente de Estado. Resta saber se algum dia ela emergirá para atormentá-lo.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Esperando Gullar

Ferreira Gullar é não só o maior poeta brasileiro vivo, é também um pensador da arte e um dos grandes teóricos brasileiros no tema. Sua produção poética é quase um compêndio da evolução da arte brasileira na segunda metade do século XX, até por ser um poeta que reflete sobre a própria obra. Foi do panfletário ao concreto, da preocupação exclusiva com a mensagem política ao extremo da experimentação da forma, até encontrar o meio termo na sua obra prima, Poema sujo, publicado em 76 (mas o meu poema preferido de Gullar – e talvez o meu poema preferido at all, se eu pudesse fazer essa escolha – é A vida bate, de seu livro anterior, Dentro da noite veloz).
Tudo isso porque Gullar pretende lançar, ainda nesse semestre, um novo livro, Em Alguma Parte Alguma, e 5 dos seus novos poemas foram publicados pelo Portal literal. Um deles me agradou de pronto, o que nem sempre é fácil na poesia. Conciso, simples, traduz com perfeição a função essencial da arte de criar a capacidade do livre pensar. Enquanto não chega o resto, fiquemos com ele:


Off price

Que a sorte me livre do mercado
e que me deixe
continuar fazendo (sem o saber)
fora de esquema
meu poema
inesperado
e que eu possa
cada vez mais desaprender
de pensar o pensado
e assim poder
reinventar o certo pelo errado

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Be the change


Eu não compartilho de toda essa euforia em torno do Obama. Mas é fato que em seu discurso de posse ele tocou num ponto que é pra mim uma das revoluções em curso no mundo: a conscientização da responsabilidade individual. A gente viveu pelo menos duas décadas de um distanciamento cínico, um individualismo que criou uma espécie de bloqueio na nossa capacidade de indignação e de engajamento. Eu penso que isso está mudando, se não em todos, em grande parte. Enfim, é piegas e não é a primeira vez que eu falo isso, mas acredito na revolução pessoal. E esse vídeo, embalado pelo discurso do Obama, pretende provocar exatamente isso: revolucione-se.



segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Aniversariando


Eu sempre tive nos aniversários a mesma sensação do reveillon: uma estranha festa onde se comemora uma mudança que de fato não ocorre. Ranzinza, eu sei. Mas não sei se pela idade (eu tenho rejuvenescido com o tempo, já que nasci com uns 80 anos), não sei se pelo fato de ter renascido quase que literalmente há alguns anos, tenho aprendido a respeitar essa simbologia do recomeço. Portanto, hoje, recomeço.
Mas antes de avaliar o que a gente faz com o tempo, analiso o que o tempo faz comigo. E penso o que de bom o fato de envelhecer pode trazer e, principalmente, no que não deve levar embora. Mais tempo, mais experiência. E a equação acaba aí. Experiência não é sinônimo de mais esperteza. Não necessariamente. Mas eu me saio bem em não cometer os mesmos erros. Mais um ano é sinal de mais livros lidos, mais filmes vistos e assim adiante. É mais 1 ano alimentando a memória cultural. A incapacidade de absorver toda essa informação é fonte segura de inquietação. E inquietação é precisamente o que não pode deixar nossas cabeças adormecerem, para o bem do conformismo.